segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O tempo é outro rio























Quase sempre o tempo é outro rio,
uma música larga e possessiva, uma forma
de avidez lunar, de apetite cósmico
que não nos poupa nem nos ama.
Prefigura este rio todo o assombro
que o século e o instante
semeiam à passagem, não passando.

A ruga é o leito de outra água,
da que rasga e avassala, da que arqueia
o dorso do que escreve e do que espera.
Um relógio de quadrante guarda-se
para a contabilidade de outras horas
que não as do sono, que não as do pasmo.

Demora-se o rosto a ver-se envelhecer,
reverbero de lua mansa na areia
onde o corpo ancora e se faz casa.

O tempo é outro rio que passa largo,
ao largo da boca que o chama e se consome.

José Jorge Letria

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